“…a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de reescrevê-lo; quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.”
Paulo Freire
Numa segunda sessão de terapia, a interrogação da primeira sessão dá lugar à caixa de Pandora, e de tão à vontade que a pessoa já fica, começa a liberar todos os males que sempre estiveram ali dentro. Na escrita, o processo criativo é mais ou menos assim, aqueles últimos retoques, antes do desapego, traz à tona o que de fato precisa ser eliminado.
A verdade é que há textos péssimos para ler, sem um único erro gramatical. Mas, se o texto está se comunicando bem com o leitor, a correção é bem-vinda. O problema é escolher que regras de correção gramatical adotar.
Como recomendação geral, escreva seus textos em uma forma escrita próxima das variedades cultas do português. Essas variedades são as faladas e escritas pelas pessoas plenamente escolarizadas, em várias partes do país.
Mas essas pessoas não falam e escrevem a norma padrão que está nas gramáticas normativas e nos manuais de redação? A resposta é: mais ou menos.
A norma padrão é como se fosse uma língua ideal, que poucos falam ou escrevem, mas que tem muito prestígio social. Os que a defendem gostariam de impô-la a todos como a “verdadeira língua portuguesa”.
Por todo o Brasil, os falantes das variedades cultas usam certas construções criticadas pela gramática tradicional e abominadas como erros gravíssimos por autores de manuais. Esses autores quase sempre são até mais rígidos do que os que escrevem as gramáticas normativas.
Confira aqui os 6 passos mais importantes na análise gramatical ao escrever o seu texto.
1°) Que orientação gramatical seguir?
Quem escreve pode optar por obedecer a gramáticos e autores de manuais, mesmo sabendo que nem sempre estão de acordo sobre o que seja exatamente a norma padrão. Ou pode também escolher pautar-se pelos usos das variedades cultas da língua. Pode estudar e debater essa questão na escola e nos locais de trabalho, tomando depois suas decisões.
2°) Como corrigir o próprio texto
Vamos agora tratar de erros diferentes daquelas construções que serão aceitas ou não, dependendo de que gramática escolhemos para nos guiar.
Mesmo quem conhece bem a ortografia mais comum no país e as regras de gramática mais ou menos aceitas nas escolas nem sempre as usa ao escrever. A escrita sempre contém erros de digitação e falta de palavras, porque o pensamento vai mais rápido do que os dedos. Escapam senões em concordâncias e regências simples, dessas que praticamente todos aceitam.
O nó da questão está em descobrir o erro antes de passar o texto ao leitor, na fase de revisão, quando ainda há tempo de corrigir. E é aí que entra a desconfiança, como a melhor arma de combate aos erros. Se você acha que escreveu corretamente, como vai reconhecer o erro?
A experiência aconselha: o melhor é ficar meio neurótico, desconfiar de tudo. Melhor isso, que confiar demais e escrever bobagens.
Depois de afetado pela desconfiança sistemática, o bom redator deixa a preguiça e a arrogância de lado e vai às obras de consulta.
3°) Onde foi que eu errei?
A desconfiança é composta por dúvidas de vários tipos. Como se escreve exceção? como se escreve náilon? Acalentar é sinônimo de ninar? Caqui, aquela fruta vermelha, tem acento? Qual o contrário de analítico? Aposto vai entre vírgulas, mas o que é mesmo aposto? Antes de quando, sempre tem vírgula? Posso escrever deixei ele em vez de deixei-o?
Não há livro algum que responda uma dúvida dessas diretamente. Para saber como procurar respostas, é preciso antes classificar a dúvida.
Dependendo do tipo de dúvida, a resposta estará num dicionário ou nas gramáticas.
Consultar gramáticas, dicionários e manuais ajuda o redator. Mesmo que ao fim da consulta, de maneira consciente e crítica, ele escolha fazer diferente do que os livros recomendam. Por exemplo, o autor de um certo manual argumenta que se deve aportuguesar para piça o nome pizza, aquela comida italiana. No Dicionário Houaiss você vai encontrar o aportuguesamento piza. E agora, José? E agora, Maria? Eu acho desnecessário aportuguesar palavras já popularmente adotadas em nossa língua, só acho.
4°) Dicionário, o pai dos inteligentes
Um bom dicionário resolve dúvidas de ortografia e de significado. Consultar o dicionário é a maneira mais fácil de saber como, por enquanto, escrevem-se exceção, náilon, caqui, e o que quer dizer a palavra acalentar. São também de grande ajuda o dicionário enciclopédico, o etimológico, o analógico, o de sinônimos e antônimos, e o de verbos e regências.
5°) Gramáticas para que vos quero
A consulta ao dicionário é simples, basta saber ordem alfabética. Para consultar a gramática é preciso saber onde procurar. Plural de palavras compostas, por exemplo, é assunto de fonética, morfologia ou sintaxe? Para saber onde procurar, é preciso classificar a dúvida conforme as divisões clássicas das gramáticas normativas.
Como eu já disse, as gramáticas normativas dão a sua visão de como deve ser a norma padrão, apoiando-se em exemplos de escritores ao gosto de cada gramático. Mesmo que o redator não tome a gramática como livro sagrado, a consulta ajuda a refletir sobre o assunto e torna mais conscientes suas escolhas.
6°) Como consultar as gramáticas
A experiência diz que não é de uma hora para outra que a redatora e a gramática se tornam íntimas.
O livro de gramática pode ser comparado a uma ferramenta que exige treino até que o operador adquira destreza no manuseio…
Agora, vamos ver como funciona essa pesquisa na prática. Pegue em sua estante uma gramática da língua portuguesa e exercite a consulta a esses livros:
Acentuação e ortografia
Se a dúvida é sobre a divisão de sílabas, acentuação e regras de ortografia, as respostas vão estar no capítulo de fonética e fonologia.
Questões de forma: procurar em morfologia
O capítulo sobre morfologia explica as classes de palavras, suas características e variações. Tudo sobre substantivos, verbos, pronomes, artigos, numerais, advérbios, preposições, conjunções e interjeições. Abrange também estrutura e formação de palavras.
É aí que você pode procurar o plural de substantivos compostos, graus de adjetivos e advérbios, conjunção de verbos, sufixos gregos e latinos, e assim por diante.
Sintaxe não é bicho de sete cabeças
O capítulo da sintaxe estuda as funções que cada classe de palavra pode exercer na frase, a estrutura e a classificação das frases. Aquele substantivo estudado em morfologia, pode aparecer na frase como sujeito, objeto direto etc. Conforme a frase em que aparece, o adjetivo pode ter funções de adjunto adnominal, predicativo do sujeito etc.
Os temas da concordância verbal e da pontuação também estão no capítulo da sintaxe.
Que mais?
Leia muito. De tudo. Autores clássicos, modernos e contemporâneos, jornais, revistas, gibis, folhetos, cordel, relatórios…De tudo mesmo, sem preconceito, usufruindo e refletindo sobre os usos da língua. Boa sorte e bom texto!