quarta-feira, maio 8, 2024
ARTIGOS

Em época de Zika, H1N1… combata também as pragas da ilegibilidade!

“…e este é o grande privilégio da palavra (…) É um código, um sinal, um acendedor da memória e um simplificador do conhecimento.”

Sonia Hirsch

Praga por praga, vamos ao que interessa! Estou em uma simples compra no mercado, quando o funcionário que me atendia se dirige a mim pedindo ajuda quanto a uma dúvida de português (o detalhe é que ele não sabe que sou professora de português, mas sempre achei que professores de português trazem um sinal luminoso do tipo: Tire suas dúvidas aqui!). Pois bem, o funcionário estava atracado ao seu celular, imaginem onde? No whats’App, é claro. E a dúvida veio exatamente de lá. Ele disse, em um tom quase desesperado: você pode me ajudar? Estou discutindo aqui com um colega que se a presidente não renunciar, ela ficará inelegível, mas o meu corretor está dizendo que é ilegível, e agora? Afinal, o que é ilegível? E eu respondi, ilegível é algo incompreensível, que não se pode ler.

Bem, então qual foi o dilema? Aquele rapaz estava confundindo ilegível com elegível, e aí veio a dúvida. Elegível diz respeito àquele que pode ser alvo de eleição, que consegue eleger. Ele estava inicialmente certo ao escolher o inelegível (aquele que não pode se eleger), mas o corretor dessa vez não o ajudou. Não esquece essa historinha não…

Bem, matamos a primeira praga! Agora, vamos ver na prática o que precisamos fazer para escrever um texto legível!

Fuja da redundância

Corte adjetivos, advérbios e expressões que chovem no molhado. Ideias repetidas aborrecem o leitor. Observe:

O gerente vai ser o elo de ligação entre os vendedores e o diretor geral.

Então, qual o problema? A palavra elo quer dizer ligação, quando alguém diz “elo de ligação” repete uma ideia que já consta em elo, certo?

Evite escrever panorama geral. Panorama já quer dizer vista geral. Então, veja como evitar tais repetições:

Use expressões eficazes em lugar de expressões redundantes:

encarar de frente > encarar / eixo central > eixo / sociedade como um todo > sociedade

prioridade absoluta > prioridade / ter futuro pela frente > ter futuro/

desfecho final > desfecho / há mil anos atrás > mil anos atrás/ há mil anos

número exato > número / empréstimo provisório > empréstimo…

Essas são apenas algumas das infinitas expressões tão redondamente redundantes da nossa língua.

Vacine-se contra as palavras inúteis

Agora veja um texto eficaz e curto, com poucos adjetivos:

O primeiro passo para um diálogo é ouvir de forma apropriada, dando total atenção a quem fala. Se precisar de mais informações, explicações ou apenas que se repita algum ponto, não hesite em pedir.

Agora, veja o mesmo texto atacado pelas pragas da ilegibilidade:

O primeiro passo para um diálogo abrangente e produtivo é ouvir acuradamente e de forma apropriada, dando a mais completa e total atenção a quem fala. Se precisar de mais informações pertinentes, explicações específicas ou apenas que se repita algum ponto fundamental, não hesite em pedir imediatamente.

Tire as pedras do caminho para ter um texto dinâmico!

Alguns abusos no uso de determinadas expressões acabam sendo pedras no caminho. Vejamos alguns deles:

Abuso da expressão processo de

Este método ensina a lidar com as dificuldades das crianças durante o processo de alfabetização.

O processo de emagrecimento leva tempo e exige persistência.

Estamos trabalhando para que o processo de apuração seja idôneo.

Apuração, alfabetização e emagrecimento são palavras que contêm sentido de movimento. Se você tira a expressão processo de, a frase fica direta e forte. Faça o teste!

Abuso da expressão vamos estar fazendo

verbo ir + verbo estar + verbo no gerúndio

No mês de março, vamos estar enviando seu novo cartão de crédito.

No mês de março, vamos enviar seu novo cartão de crédito.

No mês de março, enviaremos seu novo cartão de crédito.

Abuso de verbos terminados em -izar

O adjetivo é uma palavra mais fraca do que um substantivo. E os verbos criados de adjetivo tendem a ser mais fracos (verbos terminados em -izar).  Boa parte dos verbos em -izar contém a ideia de movimento, mas a maioria deles pode ser substituída por opçōes melhores em -ar ou -ear.

contabilizar > somar / equalizar > igualar / fidelizar > conquistar

finalizar > terminar / integralizar > completar / publicizar > divulgar, publicar

totalizar > somar / instrumentalizar > instrumentar…

Evite trava-línguas

Não use palavras longas, que mais parecem trava-línguas, como aquele do ninho de mafagafos.

O Timor Leste independentizou-se da Indonésia na década de 1990.

O Timor Leste tornou-se independente da Indonésia na década de 1990.

Cuidado com o eco! 

Nosso ouvido mental gosta de rima, mas não suporta a frequência de uma tuba repetindo ão, ão, ão.

A Marcha dos Cem Mil não teve a merecida divulgação, o que a fez minguar à proporção de uma reunião de condomínio. Cabe ao PT, com a responsabilidade de maior partido de oposição, a elucidação do mistério.

A Marcha dos Cem Mil não foi bem divulgado e isso a fez passar despercebida. Cabe ao PT, maior partido da oposição, esclarecer esse mistério.

Não tenha vergonha de usar “e”

O “e” que coordena duas oraçōes é cristalino. A praga-mãe é substituir o “e”, simples e direto, pela expressão sendo que, locução frágil, insossa, vazia.

A vitamina D predispõe o organismo para responder ao cálcio, sendo que desencadeia a recuperação dos tecidos ósseos.

A vitamina D predispõe o organismo para responder ao cálcio, e desencadeia a recuperação dos tecidos ósseos.

Cuidado com os filhotes da praga! 

Quem não confia na força extraordinária do “e”, às vezes usa as expressões além – também, não só – mas também e outras semelhantes, na tentativa de ser enfático. O problema é que o leitor percebe quando se quer dar uma ênfase artificial e enganosa.

A vitamina D não só predispõe o organismo para responder ao cálcio, mas também desencadeia a recuperação dos tecidos ósseos.

Além de predispor o organismo para responder ao cálcio, a vitamina D também desencadeia a recuperação dos tecidos ósseos. 

Então, nunca se pode usar?! O não só – mas também e o além – também?!

Não digo nunca, mas use pouco! De preferência quando as duas afirmações forem inesperadas.

O ministro não só cuspiu no chão, como também mandou o presidente limpar.

O ministro, além de cuspir no chão, também mandou o presidente limpar.

Além de cuspir no chão, o ministro ainda mandou o presidente limpar.

Se escrever um texto em que mais de um parágrafo começa com além, fique atento! Você pode estar caindo no conto da ênfase enganosa. E se formos pensar bem no começo dessa história, os discursos políticos são bem assim…de tanto serem ilegíveis tornam-se inelegíveis, é fato!

Depois daquela breve consultoria ali no caixa do mercado, ele mesmo me mostrou como solucionou o problema. Já que o corretor não aceitou inelegível, e ilegível ele não fazia a menor ideia do que significava, o moço deu o seu jeito: “ela deveria renunciar, caso contrário nunca mais poderá se eleger de novo”.

E você? Tem alguma expressão ilegível para nos contar? Compartilhe aqui! Até o próximo encontro!

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