quinta-feira, maio 9, 2024
ARTIGOS

A Arte de narrar

Meu nome é Bruna Masalin, eu sou uma mãe educadora de três crianças, casada com o meu melhor amigo David e idealizadora da comunidade Ritmos Familiares, uma plataforma que reúne recursos para famílias brasileiras que optaram pela educação domiciliar. Acima de tudo, sou serva do Deus Altíssimo e dependo dEle para cumprir meu maior ministério: edificar o meu lar.

Antes de me tornar mãe, eu trabalhei como Gerente de Admissões numa escola internacional chamada Yew Chung International, localizada em Hong Kong e com várias outras escolas espalhadas pela China. Durante minha carreira, eu atuei como professora de línguas estrangeiras e também como gerente de marketing; essa junção tão única de capacidades me levou até a minha profissão de admissões internacionais, quando eu aprendi sobre a aplicação do currículo nacional britânico e auxiliei famílias e alunos durante sua adaptação ao método da nossa escola.

Durante minha passagem pela Yew Chung International, em 2014,

eu descobri uma nova maneira de educar. As nossas crianças eram entusiasmadas pelos seus estudos, amavam livros e aprendiam através de um método cristocêntrico. Eu nunca tinha testemunhado algo tão simples, porém tão impactante. A partir dali eu comecei a estudar mais sobre métodos de educação e me tornei voluntária nas horas vagas em um orfanato de 25 crianças, no interior da China, onde todas essas crianças eram educadas pelos líderes do projeto.

Meu marido foi educado em casa desde criança, até completar o ensino médio, e sempre foi meu maior incentivador nos meus estudos sobre educação infantil. Sua mãe educou os quatro filhos em casa, com afinco e dedicação por mais de 16 anos; hoje eu vejo os frutos do seu trabalho e sei que educação domiciliar é também a minha missão.

Diante de todos esses caminhos, claramente desenhados por Deus, eu cheguei até a literatura da senhorita Charlotte Mason. Como nossa escola aplicava o currículo britânico, eu decidi que era o caminho que eu pretendia seguir em casa com meus filhos. Charlotte Mason, apesar de apresentar propostas diferentes daquelas que vi na China, dissertou sobre uma filosofia de educação muito parecida com a qual eu já estava habituada, portanto sempre me pareceu sensato me aprofundar sobre o seu método de educação.

Hoje nós nos consideramos uma família homeschooler eclética, com maior foco no método tão bem explicado pela Miss Mason. Nós estamos nos estágios iniciais do ensino formal com o nosso filho mais velho e temos visto vários frutos após aplicarmos algumas das sugestões dadas por Charlotte Mason em seus volumes.

Uma das práticas mais comuns do método da Charlotte Mason é a prática da narração, e é sobre isso que falarei hoje. Espero que este artigo lhe encoraje a explorar mais sobre a arte de narrar, independente do método de educação que você tenha escolhido.

A Arte de Narrar: Parte 1, por Bruna Masalin:

O que é narração?

Quando você assiste ao seu filme favorito, você geralmente se sente motivado a contar às pessoas sobre ele. De forma natural e usando suas próprias palavras, você relata aos outros o que SABE sobre aquele filme e dá a eles a sua perspectiva da história. Essa é uma forma simples de narração oral. Você, como todos os outros seres humanos da Terra, nasceu com a capacidade de narrar. Independente de como você conta as suas histórias, o fato é que a prática de “contar o que você sabe” faz parte das suas habilidades de comunicação.

Charlotte Mason acreditava que “este incrível dom, com o qual as crianças nascem, não deve ser negligenciado em sua educação.” Ela reconheceu que a narração era a forma mais poderosa e natural para uma criança organizar seus pensamentos e demonstrar o conhecimento adquirido por meio da leitura.

Miss Mason percebeu que crianças tinham um desejo natural de contar sua própria versão dos fatos, portanto, ela levou em conta esse talento natural da criança ao desenvolver a estrutura do seu método.

Se estivermos atentos à criança, perceberemos que ela demonstra entusiasmo ao relatar como foi aquele passeio até o parque, o que ela comeu na casa da vovó e o que ela fez na casa do amigo. Essa ação de contar o que está em sua mente é algo natural da criança.

Quando extraímos essa atividade tão cotidiana do contexto simples da vida da criança, e inserimos esse talento natural no processo de sua educação, nós ajudamos a criança a transformar seus relatos em narração formal e, por fim, em composição oral, à medida que ela experimenta o fabuloso processo de digestão de ideias vivas.

Karen Glass, em seu livro “Know and Tell”, explica que a composição oral é a “arte de organizar fatos, pensamentos e ideias e apresentá-los a outras pessoas, por meio de palavras”. A autora reforça que a boa composição oral surge após o hábito de narração ter sido estabelecido em casa, e encoraja o leitor a dar uma chance à prática, pois introduzir esse hábito será um processo mais natural do que imaginamos.

“Quando assumimos a narração como ferramenta educacional, não precisamos começar ensinando às crianças algo que elas ainda não sabem. Simplesmente os convidamos a desenvolver e refinar suas habilidades naturais”. 

(Know and Tell, Karen Glass, Pág. 4)

Charlotte Mason reforça a importância da prática, e enfatiza a diferença entre narrar e memorizar, na introdução de seu livro “Philosophy of Education”, dizendo:

(…) ela (a criança) vai descobrir que no ato de narrar entram em jogo todas as potências de sua mente (…), ela sabe, assimilou o que leu. Isso não é trabalho de memorização. (pág. 16)

Em um relato sobre o sucesso da implementação do hábito de narração oral na vida escolar dos seus alunos, ela explica que (…) toda leitura era testada por uma narração do todo de uma determinada passagem, seja oralmente ou por escrito. As crianças que trabalham nessas linhas sabem, meses depois, sobre o que leram, e são notáveis por seu poder de concentração (atenção); eles têm poucos problemas com a ortografia ou composição e tornam-se pessoas bem informadas e inteligentes. (Philosophy of Education, pág. 15)

O principal objetivo de Charlotte era fazer com que seus alunos aprendessem através do uso da mente; ela costumava dizer que a mente precisa se alimentar de conhecimento e ideias, assim como o nosso corpo precisa de alimento físico.

Para estimular a narração, o educador deve oferecer livros que ofereçam a substância que a mente precisa. Não esperando que a criança memorize informações, mas auxiliando-a para que ela retenha conhecimento.

Karen Andreola, em seu livro Charlotte Mason Companion, reforça o fato de que a arte de narrar era algo de extrema importância para Charlotte Mason, portanto ela conclui dizendo: “como o conhecimento não é assimilado até que seja reproduzido, ela sentiu que as crianças deveriam contar, depois de uma única leitura, o que acabaram de ouvir”.

A importância de realizar apenas uma leitura deve-se pelo fato de que Charlotte Mason acreditava que “esforços para memorizar enfraquecem o poder da atenção, a atividade adequada da mente”, ou seja, repetir a leitura faz com que a criança memorize a passagem, mas não garante a verdadeira absorção do conhecimento. Por esta razão, Miss Mason sugere que apenas uma leitura seja realizada antes da criança iniciar sua composição oral. É possível que surja uma pequena tentação de reler a passagem mais de uma vez, a fim de garantir uma perfeita narração, no entanto isto nos coloca numa posição de controle das capacidades da criança, quando na verdade nosso esforço deve ser mínimo. O trabalho de organização ocorre na mente da criança, sendo que nós devemos apenas oferecer os recursos necessários para que ela aprenda a percorrer o seu caminho até a autoeducação.

Karen Andreola pontua muito bem quando diz que a arte de “narrar convida a criança a meditar, isto é, a pensar ideias a partir de suas próprias conclusões.” Podemos, então, analisar a prática de narração como uma ferramenta, para ajudar a criança a descobrir diversas habilidades! O hábito cria um caminho para o desenvolvimento do pensamento crítico, ajuda a aprimorar a oratória, desperta a sensibilidade e a criatividade, e tantas outras coisas. A lista é longa…

Mas a dúvida comum é “como aplicar?”. Você deve estar se perguntando sobre como iniciar este hábito em casa, e certamente há um preparo a ser feito. Eu tentarei ser sucinta e explicar como começar abaixo:

Eu estou nos estágios iniciais de narração com o Levi e já tenho colhido frutos provindos do nosso trabalho diário. O Levi ainda está na fase de adquirir fluência, portanto suas composições orais são mais curtas e um tanto quanto simples.

Nós começamos oferecendo a oportunidade de narração de maneira muito gentil, pedindo para ele narrar após cada parágrafo lido durante os nossos momentos de leitura em voz alta. Nós costumamos ler entre um e dois livros de capítulos por mês; quando iniciamos a prática de narração, eu comecei sem muitas expectativas, no entanto, em pouco tempo eu o vi crescer neste hábito e hoje sei que é algo que pretendo manter enquanto for possível. Ele também tem feito narrações das Fábulas de Esopo que lemos na hora do café da manhã, essas fábulas oferecem histórias curtas que despertam o interesse da criança, e com certeza são ótimas histórias para usar no início da sua jornada.

Nosso processo tem sido lento, construído aos poucos, com diligência e respeito às habilidades que ele tem demonstrado. É muito importante não forçar a criança na prática de narração, pois o bom resultado surge através do treino diário, como qualquer outro bom hábito.

Como o Levi já está familiarizado com a prática, eu pretendo iniciar as leituras das Fábulas da Natureza (Parables from Nature), por … em breve, para desafiá-lo um pouco mais. Em cada termo, Miss Mason costumava incluir alguns livros que desafiavam a mente da criança; Parables from Nature oferece parábolas mais complexas para uma criança no Ano 1, mas as histórias são cativantes! Você pode fazer o mesmo, quando perceber que seu filho pode ser desafiado também. Ofereça leituras mais longas aos poucos, porém trabalhe conforme à personalidade da criança, para que ela não se sinta desmotivada quando for narrar. Tenho observado que o segredo é realmente não desistir do treino diário, oferecendo a prática de narração com entusiasmo e não como uma obrigação a ser cumprida.

Eu sempre começo falando: “Levi, tell me what you KNOW!” (Levi, conte-me o que você sabe!), e então ele pondera e logo cria uma sequência de acontecimentos. Assistir ao seu entusiasmo ao contar que “Bill colocou um ovo de galinha no ninho da coruja, que vivia na velha árvore da Vila do Norte” me fez refletir em como fui educada, e acabo concluindo que eu gostaria muito de ter sido educada assim. Hoje eu estou oferecendo uma educação que é baseada no deleite, e sei que a graça de Deus será suficiente à medida que eu estico minhas habilidades como mãe educadora, e Ele me capacitará para oferecer uma educação completa às crianças.

Antes de ler uma história em voz alta, você deve conhecê-la. Preste atenção nas palavras incomuns que seu filho ainda não conhece. Elas precisam ser refinadas antes que a leitura ocorra. Se você tiver um quadro branco disponível, apresente as palavras, com uma breve definição, antes de iniciar a leitura e a narração.

Trechos da Bíblia geralmente requerem maior contemplação da parte do leitor, a fim de que o significado da passagem seja bem compreendido. Portanto é fundamental conhecer o trecho antes de apresentá-lo à criança. Tente evitar pausas desnecessárias quando você estiver realizando a leitura em voz alta, a fim de que a criança permaneça engajada durante o processo.

Catherine Levison, em seu livro “More Charlotte Mason Education” sugere:

“Pense em conectar as perguntas da última sessão (quer tenha ocorrido na semana anterior ou no dia anterior) que ajudarão os alunos a se lembrarem de sua última reunião. Isso é diferente de oferecer questões diretamente após a leitura – isso deve ser evitado. (…) Se quiser evitar questionamentos, tente apresentar você mesmo um breve resumo. O objetivo é lembrar a todos, até a você mesmo, o que você cobriu durante a última leitura.” (pág. 129)

A narração deve ocorrer imediatamente após a leitura. Isto eu aprendi com a Charlotte Mason e também observei uma abordagem parecida na escola Yew Chung International, em Qingdao, na China. Apesar da nossa escola não seguir o método proposto por Charlotte Mason, nós aplicávamos o Currículo Nacional da Inglaterra, com a diferença de que todas as nossas classes tinham duas professoras, uma professora inglesa e uma chinesa, assim oferecendo uma educação bilíngue aos alunos.

Durante as sessões de narração da nossa escola, a professora apagava as luzes da sala e pedia para alguém se voluntariar e começar. O estudante narrava o último capítulo lido, e a professora aproveitava o gancho e chamava outro aluno para participar. Cada um tinha algo diferente a dizer sobre a mesma história, o que tornava aquelas sessões um verdadeiro banquete de ideias. A professora ouvia as composições com entusiasmo, à medida que a classe se unia para narrar a história do “Menino do Pijama Listrado”.

Em casa, você provavelmente não terá a necessidade de interromper a narração da criança, para que outra apresente sua própria versão da história. O ideal é deixar a criança terminar sua composição com calma, e oferecer aquele mesmo entusiasmo que eu vi na professora da escola Yew Chung. Não espere ouvir narrações extraordinárias toda vez que a criança narrar. Algumas crianças levam mais tempo para se acostumar com a prática, portanto ofereça a oportunidade diariamente, com afinco e determinação, porém sem exigir demasiadamente da criança.

Como falado anteriormente, uma leitura única – antes de pedir a narração – deve ser a regra. Revisar e reler as mesmas passagens diversas vezes impede a mente de trabalhar em sua capacidade total. A criança pode até memorizar a passagem lida mais de uma vez, mas narrar com o coração requer o uso da mente e do espírito.

“(…) se uma passagem for lida mais de uma vez, ele pode se tornar perfeito, mas o espírito (a individualidade) parou de ser exercitado.”

Charlotte Mason, Filosofia da Educação, pg. 29

Apesar de eu ter crescido rodeada de livros, eu nunca tive o costume de sentar com a minha mãe para narrar-lhe as minhas histórias. Ela não teve acesso à informação e aos recursos que tenho hoje, mas ainda sim deu o seu melhor; no entanto penso que minha educação teria sido muito mais rica se eu e ela tivéssemos nutrido esse hábito. O deleite é tamanho quando há este encontro entre ideias vivas e a arte de relatá-las conforme sua observação.

Eu espero que esta simples introdução à narração lhe encoraje a explorar mais sobre esse assunto e a preparar o coração para uma educação de deleite.

Obrigada pela atenção,

Bruna Masalin

ADQUIRA O CURRÍCULO DE 3 A 8 ANOS

One thought on “A Arte de narrar

  • Obrigada por compartilhar seu conhecimento. Estava precisando muito ler este artigo, que dicas preciosas! Que Deus continue abençoando você e sua família!

    Resposta
Average
5 Based On 1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

doze + dez =

Enable Notifications OK No thanks