quinta-feira, maio 9, 2024
ARTIGOS

GHEC 2016 – Educação domiciliar: É um direito!

“Eu não fui para a escola. Ficar em casa com os pais não significa ficar preso dentro de casa, mas ir para o mundo com sua diferença.”

André Stern

Nos dias 8 a 12 de março, foi realizada no Rio de Janeiro, Brasil, a 2ª Conferência Global de Educação Domiciliar (Global Home Education Conference – GHEC 2016).

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A primeira conferência global ocorreu em 2012, em Berlim, na Alemanha, e a próxima…tudo indica que  acontecerá, em 2017, em terras russas.

O tema deste ano, “Educação Domiciliar: É um direito”, concentrou todos os pensamentos em um direito humano central dos pais e dos filhos, que consiste no direito dos pais em decidir qual o tipo de educação dar aos filhos. Muitas das lutas dos educadores domiciliares estão voltadas para um direito internacional que abrange o direito à educação, cujo teor está embutido em vários tratados sobre os direitos humanos e inclui a educação domiciliar como sendo um deles.

A educação domiciliar, ou, popularmente mais conhecida como homeschooling, é um movimento que transcende o sentido da educação concebido pela sociedade em geral, por isso não a vejo como uma modalidade de ensino, mas como uma filosofia que se impõe como um estilo de vida, que não só modifica a nossa forma de ver o mundo, como também sensivelmente torna as pessoas mais conscientes de sua posição social e política.

Como a escrita é o meio que tenho de registrar e refletir ao mesmo tempo, compartilho aqui um pouco do que foi a atmosfera nesses dias.

A primeira impressão que tive foi de que o mundo inteiro estava ali, e todos, sem exceção, de forma tão cativante comprometidos com a causa do homeschooling.

As palestras e workshops trataram das mais variadas matérias, desde a necessidade de organizações nacionais e estaduais, questões jurídicas, estudos de casos, o impacto das novas tecnologias na educação domiciliar, apresentação de vários métodos aplicados a públicos diferentes, incluindo alunos especiais tão didaticamente exposta pela pedagoga Glaucia Mizuki. Por mais díspares que possam parecer os assuntos, havia um ponto de conexão entre eles: o amor na aprendizagem. E, certamente, nessa tarefa, os pais são mestres e imprescindíveis, tendo em vista que não há em nenhuma esfera do mundo quem conheça e ame mais os filhos do que os seus próprios pais.

Como eu mesma já me perguntei inúmeras vezes, é possível que você também esteja se perguntando: “Mas quanto a mim que não tenho formação para lecionar?”, “E como fica a socialização das crianças?”, ou, como no meu caso que sou professora: “Como faço para ensinar conteúdos os quais não tenho competência?” e, dentre tantas outras perguntas: “Como fica o currículo escolar?” sem o qual não conseguimos viver.

Sim, são muitas as perguntas, por isso a iniciativa deste blog para compartilhar, tanto com homeschoolers quanto com aspirantes ao homeschooling, experiências, dúvidas, sugestões, desafios que, certamente, vivenciamos ao longo da caminhada.

Esta primeira conferência no Brasil foi um marco, um divisor de águas para muitos, certamente o foi para mim. Eu diria, desafiador, e mais do que isso: não saímos de lá os mesmos.

Alexandre Magno, vice-chefe do departamento jurídico do Ministério da Educação e conselheiro legal da ANED (Associação Nacional de Educação Domiciliar), em palestra direcionada aos brasileiros, decretou: vocês talvez entraram aqui e nem saibam, mas daqui sairão os futuros líderes do movimento para o Brasil. Não tenho dúvidas disso! A conferência abriu portas para muitas mobilizações de grupos que antes eram isolados, mas agora passam a se organizar em núcleos, e assim começamos a nos ver numericamente: SOMOS MUITOS!

imageOuvir os relatos de experiência de Liz Gitonga do Quênia, falando acerca das necessidades básicas do seu país, como também sobre a mudança que ocorreu em sua forma de pensar a educação, por meio do homeschooling, foi encantador.

Tivemos também a presença da representante russa, Irina Shamolina, que compartilhou com o público os cartazes da Rússia comunista, período  em que o homeschooling foi banido por constituir prática ameaçadora à doutrinação ideológica do Estado.

Conhecemos igualmente o caso extraordinário das Filipinas, liderado por Edric Mendoza ao lado de sua esposa e cinco filhos. Edric atua de forma surpreendente na liderança da TMA homeschool, instituição voltada para a capacitação de famílias homeschoolers (confesso que este depoimento em muito nos desafiou).

Já os workshops, ofereceram um leque de assuntos, claro que uma das minhas escolhas não poderia deixar de ser o uso das NTICs (Novas Tecnologias da Informação e Comunicação), das mídias sociais, bem como das variadas metodologias.

imageConsiderando a minha área  de pesquisa acadêmica, que tem por foco práticas de leitura e escrita da geração digital, tais falas só vieram a corroborar a minha tese de que a escola é um fracasso na missão de formação autônoma do indivíduo! A este tópico, Sugata Mitra, o vencedor do prêmio TED, responde: “a ausência do professor é uma ferramenta pedagógica”.

Em questões de formação autônoma, os depoimentos de homeschoolers dos EUA, México, Canadá e Brasil não deixam dúvidas: a educação domiciliar é o melhor meio para desenvolver de forma única a autonomia do aluno, não mais na dialética ensino-aprendizagem, mas no “Learning How to Learn”,  que traduz muito bem o nosso lema.

imageO francês André Stern, músico, compositor, luthier, autor e jornalista, foi um dos palestrantes que nunca foi à escola. Ele nos presenteou com sua fala sobre a naturalidade do aprender, afinal nascemos pra isso! Filho do educador e pesquisador, Arno Stern, cujo trabalho é baseado no respeito à disposição espontânea do ser humano, André nos revela que a aprendizagem não se dá de forma ostensiva, ao contrário, no ritmo do coração, dando ao aprendiz os espaços necessários para criar. “Nosso cérebro se desenvolve onde o usamos com entusiasmo” (André Stern).

Para encerrar as seções de workshop, julguei importante participar de um que tratava dos relacionamentos entre os homeschoolers e suas respectivas famílias, a fim de me desligar um pouco do viés acadêmico. A disposição da sala não permitia muitos assentos, éramos poucos. Eu, despretensiosamente, esperava alguma exposição acerca da rotina das famílias e atividades realizadas, e lá…bem no fundo permanecia ansiosa pelo tal currículo, que, na minha mente escolarizada, é indissociado do processo educacional. Para minha total surpresa, mal sabia eu que naquela pequena sala estava a essência do homeschooling! O “Aprendendo a aprender” que passa pela afetividade, e tem sua expressão máxima nos laços afetivos de uma família. Ali, desmoronei, literalmente.

Uma das histórias que passo a contar nos traz a vida de um casal com seus lindos seis filhos. No entanto, após o nascimento do quarto filho, o pai daquela família, digna de um porta-retrato americano, foi diagnosticado com uma doença degenerativa. Em fotos, a mãe compartilhava conosco o crescimento dos filhos, a debilidade progressiva do marido e a continuidade integral do homeschooling, incluindo em seu “currículo” os cuidados diários dos filhos com seu pai, que depois de alguns anos veio a falecer deixando como fruto do seu lindo trabalho seis maravilhosas sementes. Antes de cidadãos, aquela família preocupou-se em moldar em seus filhos o caráter cristão, desenvolvendo neles o serviço ao próximo.

Igualmente tocante foi, já no encerramento, o vídeo exibido que nos traz a história de uma família alemã, que, ameaçada de perder a guarda dos filhos pelo governo da Alemanha, país onde a prática do homeschooling é proibida, pediu asilo político aos EUA, a fim de exercer a liberdade de educar seus filhos segundo os princípios em que creem, e por reconhecerem nos EUA uma democracia que coincidentemente representa o maior número de homeschoolers no mundo. Para a surpresa de todos os presentes, o processo tramita sem um posicionamento concreto por parte do presidente americano, e atualmente a família corre o risco de deportação.  O silêncio que nos tomou naquele momento foi quebrado pela mensagem de que, mesmo em um Estado democrático, os nossos direitos devem ser conquistados e reafirmados a cada dia.

Já na saída do hotel, continuávamos a compartilhar as impressões do evento, quando comentei com um querido irmão: “- sinceramente, fiz muitos contatos, e muitas das pessoas com quem conversei pareciam cristãs, dados os valores morais e motivações tão divergentes da sociedade atual”. Quando ele me interrompeu, dizendo: “- Estão aqui porque são empenhados na educação dos seus filhos, só podem ser pessoas moralmente melhores”. Fato! E isso só nos leva a crer que mesmo em meio a tantas perguntas, escolhemos, pais e filhos, caminhar juntos,  sendo, para nós, o homeschooling mais que um direito, mas , sobretudo, a melhor opção para educar a quem amamos.

Esse é o conhecimento que não se restringe ao conteúdo, e que, portanto, jamais será obsoleto! É uma via de mão dupla, que aponta tanto para a forma como afetamos o mundo quanto para a forma como somos afetados por ele. E esse movimento tem na família a sua base legal, o seu direito irrevogável e o seu dever intransferível.

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