quinta-feira, maio 9, 2024
ARTIGOS

A LITERATURA COMO CULTURA MATERNA

Charlotte Mason foi uma educadora visionária. Nos longínquos anos iniciais do século passado, ela compreendeu com maestria as necessidades da criança em seus primeiros anos (e também nos posteriores), escreveu a respeito, criou revistas especializadas, treinou pais e professores para que fossem grandes educadores e deixou um legado que, hoje, graças ao recrudescimento do homeschooling ao redor do mundo, tem sido redescoberto e muito bem utilizado por pais que compreendem seu protagonismo na formação da herança que Deus lhes deu.

O que é interessante dentro da filosofia educacional da senhorita Mason, é que ela, ao falar da educação das crianças, não se esquece da educação de suas mães. Impacta-me sempre que o leio, o seguinte trecho de uma de suas obras:

“Não há visão mais triste na vida do que uma mãe, que se desgastou tanto durante a infância de seus filhos, que não tem nada para oferecer durante a juventude deles. Quando a época de bebê acaba e a fase escolar se inicia, com muita frequência as crianças se dedicam a provar que sua mãe está errada.(…) Então, quando seus filhos chegam a esse momento tão difícil entre a infância e o desenvolvimento completo, ela fica perplexa; e, embora ela possa fazer muito por seus filhos, ela não conseguirá fazer tudo o que pode, se ela, assim como eles, não estiver crescendo!”

 É assim que Charlotte provoca as mães e as incentiva a manter a sua Cultura Materna, termo cunhado por ela própria e do qual tenho feito uso com bastante frequência nos últimos tempos. É imprescindível que mães educadoras dediquem-se não apenas aos estudos que enriqueçam a instrução de seus filhos, mas que elas próprias busquem crescer intelectualmente, cultivando um espírito sábio e, tendo acesso, por elas e para elas mesmas, a coisas boas, belas e verdadeiras, e não há nada tão eficaz quanto a literatura para fazê-las atingir tal objetivo. Contudo, atenção: não se trata de qualquer literatura, mas da literatura clássica, aquela que resistiu ao tempo e às mudanças, aquela que é eterna, única, atemporal.

É preciso enriquecer o nosso imaginário antes de querer que nossos filhos o façam, é preciso ampliá-lo, modificá-lo, corrigi-lo dos anos em que andou sendo deturpado por novelas e filmes de qualidade duvidosa (dificilmente uma mãe brasileira do século XXI foge deste perfil, eu inclusive). Sem um imaginário bem treinado, enxergamos a realidade de maneira míope, pode parecer contraditório, mas o fato é que imaginação e vida real caminham de mãos dadas e só quem treina corretamente aquela, pode viver esta em sua plenitude.

A literatura nos dá a possibilidade de conhecer tipos humanos possíveis, algo que o dia a dia ordinário não nos entrega, pois ele, forçosamente, faz-nos conviver apenas com um número limitado de seres humanos, normalmente muito parecidos conosco em termos de nacionalidade, cultura, classe social e religião. Com a literatura, este número pode tornar-se incontável, a ponto de aprendermos a “ler” o próximo com muito mais empatia e generosidade; ela nos ajuda a parar de medir o outro com “nossa própria régua”, nos ensina que há inúmeros modos de vida, diferentes formas de se enxergar o humano, possibilidades infinitas de se viver na Terra, embora sejamos, de maneira geral, todos iguais.

Eu gosto de exemplificar o imaginário humano da seguinte forma: se alguém fala maçã, você logo busca a imagem de uma maçã no seu imaginário, na memória, pois conhece uma maçã. Se falam canguru andando de bicicleta, você consegue criar essa imagem em sua mente, usando elementos da memória, pois conhece canguru e conhece bicicleta. O problema é que tendemos a colocar a faculdade da imaginação em um lugar menor da escala de valores, abaixo do raciocínio e das emoções. Acontece que isso é um erro, nunca agimos sem antes imaginar e se o nosso imaginário for formado apenas por maçãs e cangurus andando de bicicleta, ele é excessivamente pobre e limita nosso poder de ação no mundo.

A vida ordinária só nos dá maçãs e cangurus andando de bicicleta, quando precisamos agir “fora da caixinha”, a falta de imaginação nos paralisa, pois não conseguimos fazer o que não conseguimos imaginar. É aí que entra o trabalho essencial da literatura, ela apresenta novas e variadas possibilidades de imagens, que farão de nós pessoas mais inteligentes e com maior poder de ação no mundo.

E então? Ficou clara a importância da literatura para as mães da nossa geração? Se queremos ter filhos inteligentes, devemos, antes de tudo, cultivar a nossa própria inteligência. Se queremos ter filhos cultos, devemos primeiro aumentar nossa própria cultura. Se queremos ter filhos justos, honestos, sinceros e tementes a Deus, devemos sim dar o exemplo de vida cristã e apresentar-lhes a Escritura Sagrada como regra de fé e prática, mas é fundamental que estejamos preparadas para apresentar-lhes também um imaginário mais amplo, aumentando o nosso próprio com literatura de qualidade.

Que em nossa ânsia por entregar o melhor aos pequenos, não nos esqueçamos de nossa própria necessidade de cultivar um espírito nobre. Encontre este tempo! Leia os clássicos! A senhorita Mason sabia do que estava falando.

Priscilla Aydar

Site da Priscilla Aydar

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